Descoberto entre 1847 e 1849, o Reagente de Fehling (também conhecido como Solução de Fehling ou Licor de Fehling) foi descoberto por Hermann von Fehling (1812 - 1885) enquanto ele estava fazendo uma modificação do reagente de Barreswil com uma nova formulação (hidróxido de sódio, sulfato de cobre, tartarato neutro de potássio) para estabelecer uma relação “quantitativa” entre o açúcar e o cobre precipitado.
Sendo que embora o método tenha sido modificado inúmeras vezes, a identificação de Fehling com o reagente é baseada em três de suas publicações sobre a determinação quantitativa de açúcar na urina.
Retrato do químico alemão Hermann von Fehling |
Diferenças entre a solução de Fehling e Barreswil
A solução de Barreswil foi descoberta por Charles Louis Barreswil (1812 - 1870) entre 1841 e 1844. Nessa solução, ele acrescentou creme de tártaro e carbonato de sódio (também chamado de carbonato de soda em algumas literaturas) à solução de Trommer (Uma solução de potassa cáustica com algumas gotas de uma solução com sulfato de cobre diluído). A solução e o procedimento do experimento consistiram em:
- Creme de tártaro (tartarato de potássio, K2C4H4O6) 96 grãos (conversão em gramas: 6,22g)
- Carbonato cristalizado de soda (carbonato de sódio, Na2CO3) 96 grãos (conversão em gramas: 6,22 g)
- Sulfato de cobre (CuSO₄) 32 grãos (conversão em gramas: 2,07 g)
- Potassa cáustica (hidróxido de potássio, KOH) 64 grãos (conversão em gramas: 4,15g)
- Água: 2 fl oz (onça líquida) (conversão em mililitros: 59,147ml)
Já na modificação de Fehling, ele substituiu o hidróxido de potássio (potassa cáustica) por hidróxido de sódio (soda cáustica) e o tartarato de potássio por bitartarato de potássio. A solução e o procedimento do experimento consistiram em:
- Sulfato de cobre (CuSO₄): 90,5 grãos (conversão em gramas: 5,86g)
- Tartarato neutro de potássio (bitartarato de potássio KC4H5O6): 364 grãos (conversão em gramas: 23,59g)
- Soda cáustica com gravidade específica 1.12 (hidróxido de sódio): 4 fl oz (conversão em mililitros: 118,3 ml)
- Água fria para perfazer uma solução total 6 fl oz (conversão em mililitros: 177,4ml)
Nesse procedimento, Fehling despejou uma coluna de cerca de três quartos de polegada em um tubo de ensaio e aqueceu até ferver, e depois aplicou gotas de urina para testar. Em poucos segundos, ele viu que se a urina contiver muito açúcar, o líquido fica com uma cor amarela opaca, e bastante precipitado amarelo ou vermelho caía.
História do Reagente de Fehling
Alguns historiadores atribuíram a Eilhard Mitscherlich (1794-1863), em 1840, em Berlim, como o primeiro a usar os componentes da "Solução de Fehling" em seus experimentos com açúcar.
Retrato do químico alemão Eilhard Mitscherlich |
No entanto, ele estava apenas interessado na preparação de óxido de cobre (I) (também chamado de óxido cuproso) a partir da reação de açúcar e sulfato cúprico alcalino. Entretanto, foi Carl August Trommer (1806–1879), aluno de Mitscherlich, quem investigou a reação com diferentes tipos de açúcares.
Anteriormente em 1815, Heinrich August Vogel (1778 - 1867) mostrou que o acetato cúprico, quando cozido com diferentes açúcares, dava precipitado que era óxido mínimo – óxido com menor carga de íon, no caso, óxido cuproso. Ele também investigou a reação do açúcar com outros sais de cobre e sais de mercúrio, prata e ouro.
Retrato de Heinrich August Vogel |
Nesses primeiros estudos, os cientistas notaram que a maioria das oxidações de açúcares redutores, especialmente com sais de metais pesados, não é estequiométrica. Os erros introduzidos desta maneira tornam os reagentes dificilmente adequados para uma análise quantitativa precisa, a menos que a reação seja calibrada.
No processo desenvolvido por Fehling entre 1847 e 1849, o açúcar pode ser determinado de duas formas por titulação ou por peso. Em um procedimento, o reagente é aquecido até próximo à fervura e é titulado com uma solução contendo açúcar (urina) até que todo o cobre seja reduzido e precipitado como óxido cuproso vermelho.
Sendo o ponto de equivalência o desaparecimento da cor azul do reagente, a calibração é feita em comparação com uma solução açucarada de concentração conhecida.
Como a cor azul diminui gradualmente, o ponto de equivalência pode ser difícil de detectar. Nesse caso, um excesso de reagente pode ser usado e o açúcar pode ser estimado – já que a reação não é estequiométrica – para estimar o peso do óxido cuproso precipitado ou do cobre não reduzido que permanece em solução.
Solução de Fehling e a detecção de açúcar na urina de diabéticos
Antes de Fehling, Matthew Dobson (1732-1784) foi o primeiro a separar o açúcar da urina de uma pessoa diabética em 1775. Sendo isso algo que levou muito tempo para se adaptar, essa reação de química básica seria uma análise quantitativa do açúcar em pequenas quantidades de sangue.
O reagente de Fehling era inicialmente uma solução única e depois foi amplamente utilizado para determinação quantitativa de glicose na urina por titulação. Eventualmente, tornou-se aparente que o reagente aos poucos sofresse decomposição espontânea (autorredução) de sais cúpricos em solução altamente alcalina.
Modificações de Pavy no Reagente de Fehling
Em 1862, Frederick William Pavy (1829 - 1911) modificou a fórmula de Fehling usando o hidróxido de sódio e armazenando as soluções de sulfato de cobre e tartarato de potássio alcalino separadamente até serem misturados antes de serem utilizados.
Retrato do médico e fisiologista britânico Frederick William Pavy |
As soluções separadas foram posteriormente adotadas como procedimento padrão para a preparação da Solução de Fehling. No entanto, a redução do sal cúprico foi ainda acompanhada pela formação de um precipitado que escureceu bastante a cor no final da reação.
Ao perceber esse problema, Pavy reformulou novamente o Reagente de Fehling com tartarato de sódio e potássio em uma forte solução de água amoniacal. Após essa mudança na titulação, a cor azul desaparecia sem a ocorrer à formação de um precipitado de óxido cuproso, que era o último a ser dissolvido pela amônia.
O fluido de Pavy foi muito usado na Inglaterra, mas apesar dessa melhora, os problemas na técnica persistiram e inúmeras modificações deste reagente continuaram a ser propostas.
Problemas com o Reagente de Fehling e uso qualitativo do Tubo de Einhorn
Devido aos muitos resultados falsos positivos obtidos com a solução de Fehling causados por medicamentos e a uratos (compostos derivados do ácido úrico), os resultados positivos foram frequentemente sujeitos a confirmação por fermentação com levedura durante vinte e quatro horas. O tubo de Einhorn que foi desenvolvido pelo Dr. Max Einhorn, um gastroenterologista, nos anos de 1880, proporcionou uma aproximação qualitativa suficientemente precisa para fins clínicos.
O Tubo de Einhorn é um Saccharometer de fermentação (tipo de hidrômetro) que pode ser utilizado para estimar a quantidade de açúcar na urina e diagnosticar diabetes |
Para uma rápida determinação de açúcar, a reação com a fenilidrazina (ou fenilhidrazina) também poderia fornecer uma indicação qualitativa, mas positiva para qualquer tipo de glicose, incluindo também a sacarina (C7H5NO3S) que é um adoçante antigo.
O açúcar na urina diabética também era estimado medindo-se a diminuição da gravidade específica (também conhecida como densidade relativa) após a fermentação com levedura por vinte e quatro horas. A relação de calibração era determinada por experiências de comparação com soluções de concentração conhecida de açúcar adicionado à urina saudável sem sacarina.
Sendo que para cada grão de açúcar presente em uma onça (1 onça= 29,5735 ml) de urina havia a diminuição de um grau de gravidade específica tornando a análise quantitativa menos precisa.
Isso já havia sido relatado pelo médico e químico inglês Henry Bence Jones (1813 – 1873) que já advertia há vários anos contra a determinação quantitativa de açúcar na urina a partir de mesas de gravidade específica, devido à presença de quantidades variáveis de outras substâncias na urina.
Retrato do médico e químico inglês Henry Bence Jones |
Usos do Reagente de Fehling e a sua reação com aldeído
A solução de Fehling é bem instável e torna necessário o seu preparo antes da realização do teste. Os químicos analíticos aprenderam a dividir o reagente em soluções separadas: o reagente de Fehling A consistindo de uma solução de sulfato de cobre e o Fehling B consistindo de uma solução composta por tartarato de sódio e potássio e o hidróxido de sódio.
O reagente de Fehling é bastante usado para promover a oxidação seletiva dos aldeídos, sendo também usado para a oxidação de carboidratos como podemos ver na história acima sobre este composto e a detecção de açúcar na urina.
Sendo composto pelo íon cúprico (Cu+2) em solução básica, complexado com o ânion do ácido tartárico (C4H6O6). Quando o reagente de Fehling entra em contato com um aldeído, ocorre a oxidação desse aldeído em ácido carboxílico, reduzindo seu complexo azul de Cu+2 a íon cuproso (Cu+), que em solução básica é um precipitado marrom-avermelhado (cor de tijolo) de Cu2O.
Observação: Como o reagente de tollens, o reagente de Fehling não reage com cetona
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Resumindo o que vimos nesse artigo, o Reagente de Fehling pode ser utilizado em testes qualitativos para detectar a presença de glicose na urina (que é uma indicação de diabetes ou disfunção renal), e em laboratório é utilizado para detectar a presença de carboidratos ou aldeídos em uma solução.
Referências
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- http://www.colegioweb.com.br/quimica/reativo-de-fehling.html(acessado em 13/10/2012 às 01:17)
- Experimentos 7,8,9 – Análise orgânica qualitativa - Estudo da reatividade relativa de grupos funcionais por meio de reações orgânicas clássicas - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - INSTITUTO DE QUÍMICA - LABORATÓRIO DE QUÍMICA ORGÂNICA
- http://www.sciencephoto.com/media/4449/enlarge(acessado em 13/10/2012 às 23:13)
- Four Centuries of Clinical Chemistry, Louis Rosenfeld, CRC Press, 19 de agosto de 1999.
- Understanding Diabetes:A Biochemical Perspective, R. F. Dods, John Wiley & Sons,13 de fevereiro de 2013
- http://www.sil.si.edu/digitalcollections/hst/scientific-identity/explore.htm (acessado em 19/11/2018 às 13:58)
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- Four Centuries of Clinical Chemistry, Louis Rosenfeld, Routledge, 2017.
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- Yeast Research:a Historical Overview, James A. Barnett,Linda Barnett, American Society for Microbiology Press,2011
- History of Chemistry, Macmillan International Higher Education, 2016
Sobre o autor
Olá meu nome é Pedro Coelho, eu sou engenheiro químico, engenheiro de segurança do trabalho e Green Belt em Lean Six Sigma. Além disso, também sou estudante de engenharia civil, e em parte de minhas horas vagas me dedico a escrever artigos aqui no ENGQUIMICASANTOSSP, para ajudar estudantes de Engenharia Química e de áreas correlatas. Se você está curtindo essa postagem, siga-nos através de nossas paginas nas redes sociais e compartilhe com seus amigos para eles curtirem também :)
6 Comentários de "Reagente de Fehling – Teste de detecção de aldeídos e de açúcar na urina de diabéticos"
Olá gostaria de sua ajuda para fazer um relatorio sobre a reação de Fehling
Olá Luna
Qual é a sua duvida ?
Boa noite!!!
Gostaria que me orientasse como poderia abordar calculo de uma integral em química. Gostaria que fosse um exemplo bastante aplicavel.
Olá Anônimo
Isso não esta relacionado com assunto, mas eu vou responder :) , você vai usa isso muito nas aulas de cinética química e nas aulas de cálculo de reatores. Obs: calcula um reator químico não é fácil
Espero que eu tenha tirado sua duvida
Um abraço
Muito bom o texto, mas eu fiquei com uma dúvida: o que é essa densidade relativa?
Olá anônimo
A densidade relativa, também conhecida como gravidade específica, é basicamente a relação entre a densidade de uma substância e a densidade de referência de outra substância. Ela é geralmente usada para determinar a densidade de uma substância desconhecida a partir da densidade conhecida de outra.
Já no caso da postagem, essa densidade está sendo usada para estimar a quantidade de açúcar presente na urina através de experimentos de comparação entre a urina com uma quantidade de açúcar conhecida como referência, e a outra com uma quantidade desconhecida.
O cálculo da densidade relativa é bem simples, e é definido pela razão entre a densidade da substância experimental e a densidade de uma outra substância, usada como referência. No nosso caso, uma urina com concentração conhecida como referência e a outra com uma quantidade desconhecida de açúcar. A razão de cálculo é bem simples e é dada por:
${{\rho }_{relativo}}=\frac{{{\rho }_{subst\hat{a}ncia}}}{{{\rho }_{refer\hat{e}ncia}}}$
Sendo:
ρ relativo = a densidade relativa;
ρ substância = a densidade da substância;
ρ referência = a densidade da substância usada como referência.
Se a densidade relativa for maior que 1, ela é mais densa do que a referência. Se a densidade relativa é igual a 1 então as densidades são iguais; isto é, volumes iguais das duas substâncias têm a mesma massa. Nesse cálculo quando os valores eram próximos ou maiores do que 1 já era algo preocupante.
No entanto, esse teste não dava uma resposta precisa para o açúcar na urina, pois não leva em consideração à presença de quantidades variáveis de outras substâncias na urina.
Espero que tenha ficado claro :)
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