Você já parou para pensar no que realmente está por trás dos alimentos que consumimos? Para milhões de pessoas ao redor do mundo, a escolha do que comer vai muito além do sabor ou valor nutricional, pois isso trata-se de tradição, fé e respeito por princípios milenares. A comida kasher, parte essencial da cultura judaica, desperta curiosidade e, muitas vezes, é cercada por mitos e equívocos.
Mas afinal, o que torna um alimento "kasher"? Entender esse conceito é mergulhar em uma rica herança religiosa, ética e cultural, que influencia desde a produção até o consumo de cada ingrediente. Neste texto, você vai descobrir os fundamentos da alimentação kasher, seus significados e como ela tem ganhado espaço até fora do universo judaico. Prepare-se para ver a comida com outros olhos.
Significado do termo Kasher (ou Kosher) e sua história de origem
A palavra hebraica “kasher” (ou kosher, em inglês) significa literalmente “apto” ou “adequado” para consumo, conforme definido pelas leis bíblicas de kashrut. Essas leis da dieta kasher estão descritas em Levítico 11 e Deuteronômio 14 e foram transmitidas ao longo das gerações, incluindo os textos da Mishná (Primeira compilação da Torá oral) e do Talmude (Compilação de leis judaicas, discussões rabínicas, ética e história do judaísmo).
Ao longo da história judaica, muitas normas adicionais foram instituídas pelos sábios rabínicos com o objetivo de proteger e reforçar as leis alimentares estabelecidas pela Torá. A observância da kashrut tem sido, por milênios, uma característica central da identidade do povo judeu. Mais do que qualquer outro mandamento, essas leis revelam que o judaísmo transcende a definição comum de religião.
Para os judeus, a santidade não está restrita a locais ou momentos específicos; ela permeia todos os aspectos da vida cotidiana. Até mesmo algo aparentemente trivial, como o ato de comer, é elevado a um nível espiritual e torna-se uma prática profundamente judaica.
Além disso, os estudiosos ao longo dos tempos destacaram diversos benefícios associados à alimentação kasher: desde vantagens à saúde física, passando pelo respeito aos animais, até seu papel na preservação da unidade do povo judeu e na prevenção da assimilação cultural.
O renomado sábio medieval Nachmánides (Rabi Moshe ben Nachman) observou, por exemplo, que muitos dos animais proibidos pela Torá são carnívoros ou agressivos, enquanto os permitidos são geralmente pacíficos. Assim, evitar o consumo dessas espécies seria também uma forma de afastar traços negativos de nosso caráter.
Dessa forma, a kashrut pode ser compreendida como uma forma de “nutrição da alma”. Assim como escolhemos alimentos saudáveis para o corpo, também devemos considerar os efeitos espirituais do que ingerimos.
Ainda assim, nenhuma dessas razões, sejam elas éticas, físicas ou sociais, é o verdadeiro motivo pelo qual os judeus seguem a dieta kasher. A obediência a essas leis se dá, antes de tudo, porque assim foi determinado pelo Criador. É um ato de fé e submissão à vontade divina.
Principais critérios para alimentos kasher
A alimentação kasher, baseada nas leis dietéticas judaicas (kashrut), segue um conjunto de regras rigorosas que vão muito além da escolha dos alimentos, e isso envolve também a forma como eles são obtidos, preparados e inspecionados. Essas leis têm origem na Torá e são tradicionalmente seguidas por comunidades judaicas ao redor do mundo, não apenas como uma prática religiosa, mas também como uma expressão de identidade e espiritualidade.
Entre os critérios mais fundamentais estão a distinção clara entre os tipos de animais permitidos para consumo, o modo específico de abate ritual (shechitá), a proibição do consumo de sangue e o cuidado com qualquer componente de origem animal presente nos alimentos. Cada um desses aspectos tem um papel crucial na certificação kasher e garante que os alimentos estejam de acordo com os preceitos religiosos.
A seguir, exploraremos juntos os principais critérios que definem o que é considerado kasher, com base nas tradições e nas regulamentações do judaísmo.
Animais permitidos
Mamíferos: devem ter casco fendido e ruminar (mascar o alimento voltando do estômago). Bovinos, ovelhas, cabras e cervos são kasher; porcos, camelos, coelhos e outros não são.
Aves: animais domésticos como galinha, peru, ganso e pombos são permitidos; aves predadoras e necrofágas, como corvos, águias, morcegos, abutres e corujas são proibidas.
Peixes e frutos do mar: apenas peixes com nadadeiras e escamas destacáveis (como salmão, atum, carpa) são kasher. Mariscos, bagres, esturjões e crustáceos são proibidos.
Répteis, anfíbios, vermes e insetos: em geral são proibidos, exceto por quatro espécies de gafanhotos que apenas comunidades específicas (como a iemenita) ainda reconhecem como kasher . Dentre as espécies de gafanhotos Kasher estão gafanhotos-do-deserto (Schistocerca gregaria), gafanhotos-migratórios (Locusta migratoria), gafanhotos-egípcios (Anacridium aegyptium) e os gafanhotos-marroquino (Dociostaurus maroccanus).
Abate ritual — Shechitá
Para que um animal seja considerado kasher, seu abate deve ser realizado por um shojet , uma pessoa treinada nas leis judaicas de abate , que utiliza um corte único, rápido e preciso, com o objetivo de causar o mínimo de dor possível ao animal. Caso o animal morra por outros métodos, ou se o sangue não for devidamente drenado após o abate, a carne é considerada não kasher.
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Uma representação do século XV de shechita e bedikah (Inspeção pós-abate) |
Há também uma proibição absoluta de consumir qualquer parte de um animal ainda vivo. Essa proibição, aliás, não se restringe apenas aos judeus: ela faz parte das Sete Leis de Noé, que se aplicam universalmente a toda a humanidade.
Depois do abate, é necessário realizar uma inspeção rigorosa dos órgãos internos do animal, especialmente os pulmões e o estômago, para identificar possíveis doenças ou lesões graves. Se forem encontradas tereifot, condições específicas que indicam defeitos fatais , o animal é automaticamente considerado impróprio para consumo kasher.
Além disso, existe o processo de nikur, que consiste na remoção de certas veias e gorduras proibidas pela Torá. Essas substâncias estão, em grande parte, localizadas na parte traseira do animal, e como o procedimento de remoção é complexo e trabalhoso, essa região geralmente não é comercializada como carne kasher.
Remoção do sangue
A ingestão de sangue é estritamente proibida pelas leis da kashrut. Por isso, dentro de um prazo de até 72 horas após o abate do animal, a carne deve passar por um processo específico de salga e imersão em água, que serve para extrair todo o sangue que ainda possa estar presente nos tecidos. No caso do fígado, que contém uma concentração particularmente alta de sangue, é necessário um procedimento diferenciado: ele deve ser grelhado de maneira especial antes de ser considerado apto para o consumo.
Componentes de origem animal
O Leite e os ovos provenientes de animais kasher são permitidos, mas ovos devem ser inspecionados para eliminar possíveis manchas de sangue. Já o mel é kasher, porque não é considerado produto animal direto.
Regras importantes sobre mistura de alimentos
A alimentação segundo as leis judaicas (kashrut) envolve diversas regras que vão além da escolha dos alimentos permitidos. Um dos princípios mais fundamentais é a separação entre carne e leite, que influencia desde o preparo até o consumo das refeições.
Além disso, existe uma categoria especial de alimentos neutros, conhecidos como pareve, que possuem regras próprias quanto ao seu manuseio e combinação com outros alimentos. A seguir, explicamos algumas dessas diretrizes essenciais para manter uma cozinha kasher.
Separação de leite e carne
Uma das diretrizes mais conhecidas é a proibição de misturar carne e leite. A base para essa regra vem da interpretação do versículo bíblico que diz: "Não cozinharás o cabrito no leite de sua mãe" (Êxodo 23:19). Esta proibição se estende a todos os tipos de carne de gado, cabra e ovelha com qualquer laticínio. Isso significa que eles não podem ser preparados, cozidos ou consumidos juntos.
Para evitar qualquer contaminação cruzada, os utensílios, pratos e até mesmo as áreas de preparo na cozinha devem ser completamente separados. Além disso, a tradição judaica exige um intervalo de tempo, que geralmente varia de três a seis horas, entre o consumo de um e outro.
Pareve (neutros)
Para facilitar a observância desta regra, existe a categoria de alimentos pareve, ou neutros. Esta categoria inclui alimentos que não são nem carne nem laticínios, como frutas, vegetais, grãos, ovos, peixes e mel. Sendo neutros, esses alimentos podem ser consumidos tanto com pratos de carne quanto com pratos de leite.
A única condição é que eles não tenham sido preparados ou entrado em contato com utensílios usados para carne ou leite, pois isso os tornaria "contaminados" pela categoria oposta. Essa flexibilidade do pareve é essencial para a elaboração de diversas receitas e para a variedade na culinária Kasher.
Frutas, vegetais e produtos processados industrialmente
Embora frutas, vegetais e grãos sejam naturalmente kasher, seu consumo de acordo com as leis judaicas exige atenção a diversos detalhes. A presença de insetos, as leis agrícolas específicas para produtos de Israel e os desafios dos alimentos processados tornam necessária uma abordagem cuidadosa e informada. A seguir, abordamos os principais cuidados a serem observados para garantir que esses alimentos estejam de acordo com a kashrut.
Produtos naturais
Em sua forma pura, como frutas, vegetais e grãos, os produtos da terra são considerados kasher. No entanto, a pureza é fundamental. A lei judaica proíbe o consumo de insetos, então uma inspeção minuciosa é necessária.
Isso envolve lavar bem as folhas de alface para remover pequenos insetos, verificar frutas e legumes para garantir que não haja larvas ou outros contaminantes. Essa atenção aos detalhes é crucial para garantir que o alimento seja realmente kasher.
Procedimentos especiais para produtos de Israel
A santidade da Terra de Israel implica que os produtos cultivados lá estão sujeitos a leis adicionais. Uma delas é a separação de dízimos (ma'aser), uma porção da colheita que deve ser separada e entregue a sacerdotes e pobres, conforme a tradição. Além disso, existe o shemittá, o ano sabático. Durante esse período, a terra deve descansar, e certas restrições se aplicam aos produtos colhidos.
Para que um alimento cultivado em Israel seja considerado kasher, ele precisa seguir essas leis, o que adiciona uma camada de complexidade para quem supervisiona a produção.
Alimentos processados e o processo de certificação da indústria kasher
Em nosso mundo moderno, a grande maioria dos alimentos que consumimos é processada. Isso apresenta um novo desafio para a Kashrut. Um alimento industrializado pode conter ingredientes derivados de fontes não kasher ou ser preparado em equipamentos que foram usados para processar alimentos não kasher, tornando-o "contaminado". Por isso, a certificação kasher, conhecida como hechsher, é tão importante.
O hechsher é um selo de aprovação de uma autoridade rabínica de confiança que garante que todos os ingredientes, processos e equipamentos utilizados na produção estão de acordo com as leis da Kashrut. Sem este selo, é praticamente impossível para o consumidor saber se o produto atende às exigências.
A auditoria e verificação para se conseguir a certificação envolve todas as etapas do processo de produção do alimento, e a indústria kasher tem visto um aumento considerável na demanda, tanto por motivos religiosos quanto pela percepção de ser um produto de alta qualidade.
A indústria kasher funciona através de um rigoroso sistema de supervisão e certificação. Para que um produto seja considerado kasher, ele precisa receber a aprovação de uma agência rabínica. Essa certificação atesta que todos os ingredientes, as instalações de produção e os processos de fabricação cumprem as complexas leis da kashrut.
Um dos pontos cruciais desse processo é a presença de um mashguiah, um supervisor rabínico que acompanha a produção. Ele é responsável por garantir que as regras sejam seguidas à risca, como a separação total entre equipamentos e linhas de produção para carne e laticínios, evitando qualquer tipo de contaminação.
Além disso, todos os ingredientes utilizados na receita devem ser previamente certificados e não podem conter nenhum traço de substâncias proibidas.
Quando o processo de verificação é concluído com sucesso, o produto recebe um selo de certificação na embalagem. Este selo, que muitas vezes é um "K" ou um "U" dentro de um círculo, é a garantia para o consumidor de que o alimento foi produzido de acordo com os padrões kasher.
Onde comprar comida kasher no Brasil
Você tem ótimas opções para comprar comida kasher no Brasil, tanto online quanto em lojas físicas. Aqui vão algumas sugestões confiáveis em que eu honestamente confio muito:
Kosher Place
O Kosher Place é um dos principais pontos de referência para a comunidade judaica no Rio de Janeiro e em todo o Brasil. Localizado no coração de Copacabana, este mercado se destaca pela sua vasta e diversificada oferta de produtos. Mais do que uma simples mercearia, o Kasher Place funciona como um centro gastronômico, com sua própria padaria que produz pães frescos e challah.
A seção de doces é um paraíso para quem busca sobremesas e guloseimas que seguem as leis kasher, enquanto as opções de massas, conservas e vinhos importados garantem que você possa montar uma refeição completa e autêntica.
Durante as festividades judaicas, como Pessach e Chanucá, o estabelecimento se torna um recurso essencial, oferecendo kits temáticos com todos os itens necessários para as celebrações, desde a Matzá para o Seder de Pessach até as velas e os sufganiyot (sonhos) para Chanucá.
Além de seu atendimento presencial, o Kosher Place ampliou seu alcance com um eficiente serviço de entrega para diversas regiões do Brasil, levando a qualidade de seus produtos a um público mais amplo.
A Casa do Produtor
Especializada em laticínios, A Casa do Produtor é um destaque no mercado de queijos artesanais kosher. O grande diferencial da marca é a dedicação em produzir queijos de alta qualidade, como Gouda, Parmesão, Brie e Burrata, que são cuidadosamente fabricados para cumprir as exigências da kashrut.
Todos os seus produtos são certificados com o selo LAMEHADRIN, que indica um nível de supervisão kasher rigorosa, e com a garantia de serem CHALAV ISRAEL, ou seja, leite ordenhado e processado sob supervisão judaica, assegurando a integridade de todo o processo. Essa certificação é realizada em parceria com a BDK, uma das mais respeitadas agências de certificação kasher do Brasil, o que confere total confiança e transparência aos consumidores.
B.K.A. – Beit Kosher Atacadista
O Beit Kosher Atacadista, ou B.K.A., é um fornecedor essencial para a comunidade que busca produtos kasher em maior volume. Com um foco em carnes, peixes, laticínios e panificados, o B.K.A. se destaca por sua variedade e rigor no cumprimento das leis da halachá.
Para garantir a pureza e a integridade de seus produtos, o B.K.A. assegura que todos os itens comercializados sejam lacrados de acordo com as exigências da halachá. Esse procedimento é crucial para evitar qualquer tipo de contaminação e para que os consumidores tenham a certeza de que estão adquirindo produtos que respeitam as leis dietéticas judaicas desde a produção até a embalagem.
Juntos, esses três estabelecimentos oferecem uma rede de apoio completa para a culinária kasher no Brasil, garantindo que a comunidade tenha acesso a uma ampla gama de produtos de qualidade, desde a conveniência de um mercado até a especialidade de queijos artesanais e o volume de um atacadista.
Uma Dica Extra
Se você estiver em São Paulo ou Rio, há também restaurantes e padarias kasher que oferecem delivery. E durante festas judaicas, muitos mercados ampliam suas ofertas kasher, vale apena ficar de olho nisso!
Dimensão espiritual e social da dieta kasher
A dieta kasher vai muito além de um simples conjunto de regras alimentares; ela carrega uma profunda dimensão espiritual e social dentro da tradição judaica. Espiritualmente, seguir as leis da kashrut é uma forma de santificar o ato cotidiano de comer, transformando-o em um gesto consciente de conexão com D’us.
Ao obedecer a esses preceitos, a pessoa judaica incorpora disciplina, autocontrole e intenção espiritual em sua rotina, reforçando a ideia de que até mesmo as ações mais básicas podem ser sagradas.
No aspecto social, a kashrut também serve como um elo de identidade e coesão comunitária. Compartilhar refeições dentro dos parâmetros kasher permite que membros da comunidade se conectem em torno de valores comuns, fortaleçam laços culturais e preservem tradições milenares, especialmente em contextos de diáspora.
Além disso, em um mundo globalizado, manter uma dieta kasher muitas vezes exige colaboração e suporte mútuo, promovendo redes de solidariedade e pertencimento entre judeus de diferentes origens.
Autor Convidado que escreveu esse artigo
Olá Leitores, meu nome é Alfred Cohen Xavier de Oliveira, e eu quero agradecer de coração a oportunidade que o Pedro Coelho me deu para compartilhar esse belo com vocês sobre comida Kasher, que é algo que é muito mais do que uma escolha alimentar, mas sim uma celebração de tradição milenar, cuidado e consciência.
Onde cada prato é um testemunho da atenção meticulosa aos detalhes, desde a seleção dos ingredientes mais frescos até o seu preparo cuidadoso.
Eu observei aqui que já foi até publicado um texto sobre comida halal nesse blog, e quero dizer para vocês leitores, que ambas as dietas tem basicamente como semelhança o fato de serem sistemas alimentares baseados em leis religiosas, que visam a conexão com o divino e a prática do bem-estar animal através de rituais de abate que minimizam o sofrimento.
Onde cada religião faz do seu jeito para fortalecer a conexão com D’us, tornando a refeição um ato sagrado. Espero que tenham gostado do texto e Shalom a todos vocês.
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